segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Cores derretidas

Devagar. Um pé, outro, um pé, outro. Como se eu estivesse aprendendo a caminhar pela casa que hoje meus pés já reconhecem sem ajuda dos olhos. Depois de atravessar o portão branco, gasto pela chuva, arranhado com algumas tristezas, vejo vovô sentado em sua poltrona. Respiro e sinto o cheiro da pescada frita, do molho de camarão e da alegria de todos aqueles domingos. Vejo o vaso com folhas mortas. Pego uma flor para levar para a vovó que está na cozinha, de avental, rindo de frente para a pia, ou pegando o Victor, meu primo mais velho, no colo. Ainda estou na sala. O chão de tacos faz barulho quando pisamos. Meu primo deve ter desistido dos carrinhos e largou a bagunça no chão. Vovô brigaria com ele se eu não tivesse chegado naquela hora. Eu podia fazer a zona que quisesse, era a menininha. Corri para abraçá-lo. Naquele canto da sala, um criado-mudo com fotos de nós dois. Só eu estava lá.
Família de italianos, música alta, nem meio-dia e o tio já saindo pra comprar mais cerveja. Passo correndo por ele - vê-lo na cama, frágil e doente me causa enorme desespero. Continuo correndo pelo longo corredor, atravesso a cozinha como um raio. Faz Sol e meu primo está lá fora na piscininha de plástico, daquelas com o fundo azul com ondas desenhadas. Vovó vem atrás de mim tirar as roupas do varal, a chuva chegou. Pede minha ajuda, ela já não alcança direito os pregadores, tampouco tem forças para fazer o trabalho sozinha. Entramos. Ela prepara um café para nós - não sem antes perguntar se eu queria leite com Nescau e bolachas, meu lanchinho preferido da tarde. Depois de enrugarmos os dedos na piscina, entramos para comer. Ao redor da mesa, todos sorriem. Mais que isso, riem muito alto! E conversam. Parecem estar brigando. Já disse para o meu tio que a vovó está muito velhinha, não adianta se irritar, ela já não escuta bem. 
Vou ao banheiro e quando saio, viro à esquerda, em direção ao quarto principal. O movimento na casa é grande, Cada hora que passa chega mais alguém. A casa estava sempre cheia, mas aquele movimento era muito atípico. Decido ver por que as mulheres da família estão fechadas no quarto: o Papai Noel tinha deixado umas coisinhas mais cedo porque estava muito ocupado. Elas estavam ajudando a embrulhar. Entendi. Achei que em Setembro o Papai Noel não estaria tão ocupado e ousei pedir que ele aparecesse e me trouxesse a alegria daquela casa de volta. Ele não apareceu. Chorei baixinho. Desde aquele dia eu sabia que ele não existia, mas hoje ele fez falta pela primeira vez.

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